A MUDANÇA PARA O MONTE, em Grândola, debaixo das estrelas…
Fomos os últimos a entregar aquela correspondência, naquela noite de Junho (há cerca de quatro anos), último dia para entregar o projecto de candidatura ao Proder. Eram 23h00. Lá estávamos nós. Com os nervos em franja, os miúdos no carro, nos CTT da Expo- Cabo Ruivo, com o envelope na mão. Último dia para entregar, ultima hora, ou não seriamos nós.
Tinha um enorme peso aquele CD empacotado. Mais do que frágil, era um pacote cheio de vida. Ali estava a nossa esperança na mudança. Estava sonhada. Estava escrita. Agora depositada e, finalmente, entregue. Senti um certo abandono ao sair dali. Tinham chegado ao fim três semanas loucas de trabalho intenso. Sem o nosso contabilista, Vitor Duarte, – este é o momento para brilhar, Vitor – teria sido impossível a viabilidade do projecto.
Agora era preciso saber esperar pela resposta.
Alguém havia de abrir aquele envelope e decidir se aqueles malucos podiam ir viver para o Alentejo, abrir um Turismo, coisa de que nada sabiam (mas haviam de saber), e aventurar-se, com os miúdos, a uma nova vida. Ela Jornalista há 16 anos na SIC, ele arquitecto. O projecto estava escrito e desenhado pelos dois.
Alguém havia de tomar a decisão de nos deixar ser felizes. Na verdade, confiávamos no destino, sem pensar muito no que estávamos a pedir. Queríamos criar um Turismo de histórias! Era um conceito diferente. Por que não?
E esse dia acabou por chegar. Em forma de mail. Seis meses depois. Em Dezembro. Que melhor presente no sapatinho podíamos pedir?
Exmos senhores: “PROJECTO APROVADO”.
Claro que nunca é só, e apenas assim. Só nesta versão poética e apaixonada. Na realidade, a pré-aprovaçao vem cheia de clausulas que é preciso cumprir mas, quem sonha e levanta os pés do chão, lê sempre primeiro o fim do documento. Foi o que fizemos! A partir daí, foi um retomar o solo, lentamente, e perceber que a aprovação implicava TUDO. ÍAMOS VIRAR A NOSSA VIDA AO CONTRARIO. Era preciso contar aos miúdos onde estávamos metidos. Era preciso fazer uma obra, tratar da decoração, empacotar, deixar amigos, família. Fazer crescer um sonho. Uma casa de HISTÓRIAS, onde tudo fosse possível. Uma casa mágica, que levasse as famílias a querer voltar. Era pôr mãos à obra (não vamos aqui falar da obra, que durou cerca de um ano, mas jamais iremos esquecer). Vivemos separados meses, durante cerca de metade da semana. O Pedro dormia no monte e eu, em Cascais, com os miúdos na escola.Não foi fácil. Deve ser isso… crescer.
Passemos diretamente para Junho. Um ano depois da obra. Dois, depois de termos enviado o envelope mágico.
JUNHO 2015: Fim da escola. Caixotes cheios. Casa semi-empacotada. Rumo: Sul. Direcção praias. Mais tempo.
Dia da mudança
Contratámos uma empresa em dois dias. Pusemos os miúdos na minha mãe. Apontámos armas a uma mão cheia de amigos, que concordou em mudar-se, num fim de semana, para uma casa sem luz, sem água canalizada. Vazia. A nossa casa de fim de semana, em Grandola, tinha agora crescido. De um T3, passou a Turismo de sete quartos, salas, alpendres, cozinha ampla com uma vista incrível .
E Quando digo casa vazia é mesmo VAZIA. Zero mobílias.
Foram eles, os amigos, que concordaram em começar a montar este sonho connosco. Em dois dias. Era o que tinhamos, e foi o que fizemos. O plano era chegar com a mobília e tentar pôr tudo no sítio.
Chegámos, com o piano, os lustres, as cadeiras, mesas da casa dos nossos avós, o que pudemos resgatar de pais, restaurar da família. Os tapetes, os quadros, os relógios de parede. Tudo fazia sentido e parecia encaixar como num puzzle. Chegámos capazes de mudar o mundo. Com um calor que nos engolia, mas nos fazia rir, só de pensar que, afinal, faltava tudo. Atenção: para quem queira replicar todo este processo de mudança de vida, não é possível fazê-lo como nós fizemos, se precisarem de planear. Nós somos Reis no improviso e esta música, nós cantamos bem.
Ao nosso ritmo, tudo foi feito à batida do amor. Era para trabalhar, para rir, para gargalhar, para pegar em pesos pesados. Era para parar. Para largar. Para apanhar sol, conversar. Era para dividir uma única lâmpada, que acendíamos na assoalhada que estivéssemos a usar, ir buscar café, num termos, à taberna. Era viver como um todo, sem grandes regras, para que aquele fim de semana nunca mais fosse esquecido. Era preciso ser realmente feliz a mudar de vida e agradecer àquele grupo de amigos, que loucos como nós, sabiam que juntos estávamos a construir uma vida nova e uma casa…com um final feliz.
Foram 48 horas de amizade intensa. Que jamais iremos conseguir explicar, agradecer, contar, justificar. Daquelas amizades que…caramba! São das boas!
As camas chegaram no mesmo dia, os lençóis, toalhas, toalhas de piscina, sofás, televisão. Vá, a televisão era só uma. A única que cá continua.
Enfim, chegou tudo. Louças, talheres, toalhas, panos. Naquele dia, veio tudo. E era preciso arrumar. Sete quartos do Turismo. As salas. a cozinha… A nossa casa. Era preciso ser completamente louco para ser feliz naquele manicómio. E nós fomos. Genuinamente felizes. Todos juntos.
SABER DIZER OBRIGADA
Obrigada Joana Vilarinho, Joao Pato, Filipa Reis, Claudia Janeiro. Mãe e João. Mano (por todos os trabalhos forçados e fora de horas) OBRIGADA Avó…que sempre aqui estiveste e que aqui estarás. Para sempre. Obrigada meu Amor, por seres completamente louco e por acreditares em Nós. Obrigada Luisa, pela dedicação, todos os dias.
A VIDA NO CAMPO
A Maria do Mar estudou sempre na mesma escola desde os três anos. Tinha dez, no dia da mudança. Dizer que foi tudo maravilhoso, desde o início, seria mentir DE FORMA TOTALMENTE DESONESTA. As amigas choravam. Ela chorava. As mães sofreram. Eu sofri. Fiz o meu papel: “Filha, vais conhecer pessoas que vais adorar no Alentejo, não vais perder os melhores amigos, vai doer mas vais crescer muito mais forte. Passaram cinco meses até se apaixonar, literalmente, pela NOVA VIDA. Pelos amigos, a escola, a liberdade…o ALENTEJO.

A Alice, ainda não tinha três anos. Era FELIZ, em qualquer lado. Com a mudança feita antes do verão, achou que no Alentejo não havia escola. Porque não ia à escola. Achou que não era preciso usar roupa, nem sapatos. Viveu três meses enfiada no seu fato de banho, todo o dia, até cair para o lado, de tanto correr descalça. A Alice passou a Tom Sawyer de purpurinas. Virou a miúda que corre em cima de cardos. Passou a caçar patos, voar atrás de coelhos, agarrar qualquer animal que exista no mesmo metro quadrado. A alice virou a miúda do monte. Sem medos. A miúda que pede para dar biberão à ovelhinha que acaba de nascer, mesmo que seja de noite. Esta Alice nasceu no monte.

Para o Bernardo, que ficou em Lisboa com a mãe, a mudança foi dura, mas meio encantada. A adaptação de ter o pai a viver no monte, mas um pai que não desiste. Que vai buscar e levar à escola a Lisboa. Que chega a uma casa, debaixo das estrelas. Que no dia seguinte, acorda cedo e vê no alpendre, antes das sete da manhã, uma raposa a beber no espelho de água, antes de seguir, no carro, os 100 kms de regresso à civilização.
O Pedro, não fosse o impacto e a dureza deste caminho, para matar saudades do filho, teria chegado ao paraíso. Foi, talvez, quem mais depressa se adaptou à vida no Alentejo. Ele, na verdade, já nasceu adaptado a isto. Por ele, não fosse o Bernardo, raramente ia a Lisboa.
Já eu, vamos lá por partes: o primeiro Verão foi um céu cheio de estrelas e um alpendre inundado de amigos. Foram noites a ouvir o Pedro tocar guitarra, em qualquer pedaço de chão vazio, lá se acomodava, de copo cheio, ao mesmo tempo que enchia o meu.
Foi uma casa de histórias – que me desculpe a Paula Rego -, casa cheia de cor e de vida, de gente que procura saber por que mudámos, e como se faz. Foi um Verão para montar os quartos. Foi convidar a família para ficar. Foi festejar aniversários, abrir mais um quarto, e outro, e mais outro. Foi apenas em Outubro, faz agora quase três anos, que abrimos os sete quartos ao público e que, oficialmente, abrimos as portas.
…E NASCE A TERRA DO SEMPRE
Dia 15 de Outubro de 2015. Assim nascia o Romeu e Julieta, o Mil e Uma Noites, o Peter Pan, o Alice, Felizes para Sempre e as cabanas Tom Sawyer e Robin Hood. Sete Quartos num Turismo onde queríamos fazer diferente. Honesty bar, jantares, cinema ao ar livre, passeios para alimentar animais…
No dia 15 de Outubro, houve café e bolo e uma felicidade tonta, daquelas que festejamos, sem saber exactamente o que nos espera.
Somos uma casa cheia, que se junta todos os dias na mesa de madeira de três metros, que era do avô do Pedro, esteja, ou o não, o Turismo cheio. É na mesa da cozinha de madeira que contamos as nossas histórias. Os nossos segredos. Que temos as melhores vistas para quem cozinha. Que recebemos quem aparece. Que mostramos a nossa alma. Esperamos por vocês. No monte ou por escrito. Cá estaremos de braços abertos.